É um palhaço que já não fazia mais palhaçadas. Já não atraia mais
atenções, as crianças não davam conta do quanto o palhaço os queria ver sorrir,
passavam longe, viravam a cara. A magia havia se perdido, o interesse havia se dispersado,
os pequenos, os grandes, os velhos, os adultos, todos tinham outras atenções.
Pessoas que talvez como eu gostassem, mas temesse os palhaços. Eu temia
os palhaços, desesperadoramente. E eu ficava de longe olhando tudo me parecia
assustador: a maquiagem, a boca gigantesca, o nariz avermelhado e redondo, os
cabelos, os sapatos grandes, as roupas coloridas...
Mas sentia uma tristeza tão imensa por trás daquela maquiagem. E era
isso que assustadoramente me atraía.
E sem circo, na praça os palhaços ficavam: piruetas cambalhotas, tombos,
tropeços. Cair parecia uma arte para aqueles moços, às vezes eu sorria. Mas
logo recobrava a consciência e o meu medo dos palhaços.
Quando eles se distraiam, eu ia lá, morrendo de medo e jogava uma de
minhas parcas moedas nos chapéus jogados no chão, e correndo o máximo que
minhas pernas podiam eu voltava para o meu abrigo distante para apenas observar
aos senhores palhaços e conviver com meu medo.
Mas eles foram ficando escassos. Não havia mais tantos palhaços nos últimos
tempos. Eu sequer me perguntava o que havia acontecido com eles, só notava a ausência
se somando a muitas outras ausências que a praça apresentava no seu palco
solitário.
Um dia, um desses dias em que eu já não esperava encontrar senão mais
que um palhaço, trôpego de bêbado, para assustar-me, encontrei um. Um único
palhaço, pintado, caracterizado, segurava em suas mãos um instrumento.
Meus olhos arregalaram e eu estava pensando que aquilo devia ser uma
arma, e que o que eu tanto preconizara havia chegado, o palhaço nos mataria a
todos, por não rimos mais de suas palhaçadas.
Tapei os ouvidos e esperei o massacre.
Nada aconteceu. Nada além de um sopro tímido, uma melodia dolorosa,
triste e quieta invadiu o espaço sonoro da minha mente, e eu me vi embevecida.
Deixei os braços cair ao longo do meu corpo. E caminhei como que
hipnotizada pela melodia.
Um palhaço que tocava saxofone, numa tarde febril de setembro,
anunciando o final do dia. Anunciando o fim.
Nunca em minha vida senti tanta dor vinda de um cara que deveria nos
fazer sorrir. Entendi a melodia. Entendi a música que tocava, era, era
certamente todas as suas tentativas ocas de trazer o riso e a felicidade. Mas
as pessoas não estavam interessadas nisso.
E eu estava hipnotizada. Olhando as lágrimas que manchavam a maquiagem
do palhaço, eu chorei junto com ele.
E na praça no meio de tantas pessoas transitando metidas dentro de si
mesmas, havia três loucos que choravam toda a angústia de uma solidão que
abrigava uma multidão de pessoas, mas parecia que só nós três a sentíamos: eu a
medrosa, o palhaço e o sax.
Tirei da minha bolsa todo o dinheiro que possuía e o coloquei no chapéu.
Foi a primeira vez que vi um palhaço chorar.
E foi também a primeira vez que venci um medo.
Só vi um palhaço triste até hoje e por isso escrevi sobre o palhaço Solidão...
ResponderExcluirPenso que o contraste sempre nos ensina algo...
Nunca tive medo de palhaços. Quando era criança, ia com meu pai no consultório de um cardiologista que tinha uma coleção imensa de quadros de palhaços. Uma média de dois em cada parede. A maioria deles estava chorando. O pior que aquilo nunca me pareceu uma contradição. Cheguei rápido à conclusão de que era necessário muita tristeza interior para motivar alguém a fazer os outros rirem vergando uma fantasia tão elaborada. Posso estar errado, mas palhaços sempre me pareceram dignos de pena.
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