sexta-feira, 31 de maio de 2013

Meu caso com Charles Parte II


-Eu te amo Charles. E isso vai me matar.

-Eu sei querida. Eu sei. Mas  essa decadência não é para você, esse saltos não são para você, nem esse batom vermelho. Você é o que divide esse mundo grotesco e a salvação. A minha quem sabe. Era pura. Porque quer tanto sujar-se?!
-Eu já perdi minha alma Charles.
-E eu iria até o inferno, se ela estivesse lá.
-Ela está.
-Mas você não. Ainda está na terra.
-Cara, nenhuma diferença.
-Tem razão baby. Mas eu vou te salvar.
-Então me ame Charles.
-O amor baby, o amor é esse vinho. Eu bebo, fico de ressaca, esqueço. E eu gosto de cerveja.
-Maldição Charles. Porque não eu?!
-Porque é carne e osso, e eu um espectro...
-Para o inferno Charles, eu amo você. –Seguro-o pela lapela de seu casaco. -Qual o problema comigo?
De uma forma ou de outra ele me evitava, não dizia não, nem sim, e isso fazia meu coração sangrar, apertava dentro do peito. E eu o conhecia tão bem. Ele também não ia embora de vez, nem se afastava, ficava na penumbra, provocando esperanças.

-Estamos no inferno baby, foi você quem disse... Somos iguais demais. Eu te invento. Você me inventa... Acabamos nos destruindo. Sabemos disso.
-Cara, você não sabe de nada. Você é só um covarde.
Arranco os meus sapatos da mão dele, recolho as folhas, escritas, borradas tanto quanto meu batom. Não calço os sapatos, sei que não vou me equilibrar saio andando na frente dele. Ele paga o meu consumo. Apenas um vinho barato.
-É baby, eu sou só um covarde!

***
Ficou fora das minhas vistas por alguns dias. Possivelmente em suas apostas de corridas de cavalo. Vicio do qual ele não se afastava. Voltou numa manhã de sábado e eu estudava um assunto qualquer.
-Olá baby.
Era imediato, meus olhos brilhavam ao vê-lo. Mas não levantei, nem fiz qualquer alvoroço. Ele empurrou a porta e entrou não se sentou. -Preciso de um banho.
-Você sabe onde fica o banheiro.
-Mas antes, leia isto. Entregou-me uma folha manchada e cheirava a perfume de mulher. Outra mulher. E eu nem tinha o direito de sentir ciúme.
Mordi o lábio para conter o  ímpeto de mandar-lhe para o inferno.

e quando o amor veio a nós pela segunda vez
e mentiu para nós pela segunda vez
decidimos nunca mais amar novamente
isso era justo
justo com a gente
e justo com o amor mesmo.

não pedimos misericórdia ou
milagres;
somos fortes o suficiente para viver
e para morrer e para
matar moscas,
assistir às lutas de boxe, ir às corridas,
viver de sorte e perícia,
ficar sozinho, ficar sozinho frequentemente,
e se você não conseguir dormir sozinho
tome cuidado com o que disser enquanto dorme
e
não peça misericórdia
milagres;
não se esqueça:
o tempo existe é para ser desperdiçado,
o amor fracassa
e a morte é inútil.

Eu não ficava pensando no que Charles queria dizer com isso ou com aquilo. Ele simplesmente dizia e claramente, não se escondia atrás das palavras como eu.
-Baby, você leu?
-Eu sei que o amor fracassa Charles! O amor é de fato nosso maior fracasso.
-Baby, baby... “o tempo existe para ser desperdiçado”. Isso não é hilário?! Quer dizer, passamos o tempo todo não querendo desperdiçar o tempo, e só temos mesmo que desperdiçá-lo. Eu com minha cerveja, você com seus livros... matando o tempo, antes que ele nos mate.
-Você é realmente um gênio Charles!
-Hey baby, o que houve?
Eu era dada àquelas discussões que levam horas, defendendo um ponto de vista fictício. Mas estava calada e pensativa.
-Por Deus, que infernos há na sua cabeça?!

E quando o amor veio a nós,
Pela segunda vez,
Mandamo-lo para a cama.
Durma, reproduza e morra!
Isso é justo
Justo com o amor
Que morre, mas renasce
Sem misericórdia,
Sem milagres
Só seguindo o curso natural das coisas
Porque é natural viver
Amar meia dúzia de mulheres
Apostar em cavalos
Beber cerveja barata
É natural tentar não desperdiçar o tempo.
Mas o amor fracassa sim.
E a morte não é o fim.
Seria um outro começo?!

Ele sorri, e recolhe a folha fétida de perfume barato que me dera. Gosto quando ele sorri.
-Charles, não me provoque, eu posso pegar qualquer verso e transformar noutro universo, e deplorá-lo e desmontá-lo. A anatomia da poesia é algo assim mesmo bem fisiológico. Você começa pela jugular e deixa o sangue jorrar, depois são só vísceras.
-Baby, devo dizer que às vezes você me assusta?
-Não. Você devia me dizer que às vezes você fracassa.
-Eu não posso fracassar baby.
-Mas eu sou uma fracassada Charles.
Sei que isso enche meus olhos de um brilho laminado, volto a estudar qualquer coisa, e ele volta a examinar aquela página fétida de perfume.
Escrevo no rodapé do livro...
(...) Charles eu te amo, e isso ainda vai me matar. (...)

Continua... ou não.


quinta-feira, 30 de maio de 2013

O Poema



O poema vem da ausência
Dessa lacuna cheia de lágrimas
Do rápido momento
Em que a lágrima se forma nos olhos
E desce lentamente pela face
Não é escolha do poeta
Não é festa, nem alegria
O poema brota da alma
Nasce a qualquer hora
Agora, agora, ou nunca mais
Esse mal é um choro vazio
Um grito sufocado
Mas se fosse minha escolha
O poema seria
O aconchego do teu abraço.

Meu caso com Charles Prólogo.












Abro as janelas, escancaro as portas, acendo as luzes, e depois fecho as janelas rapidamente. Vejo-o sentado, baixo o olhar, meio envergonhada.
“Olha só você”. -Me diz ele. “Amanheceu. Cedo demais para o jantar, mas é tarde demais para o café da manhã. Mas senta aí baby, eu tenho um brandy.”
Sento. Bebo o brandy também.
-Ela se foi?! - pergunto.
-Da poesia, da minha cama, ou do meu coração? -Ele responde.
-Ela se foi? Repito insistente
-Não! E ele se foi?
.
Abro a camisa, e mostro a cicatriz no meu peito.
-Ele se foi Charles, e levou meu coração.
Charles me olha com aquele olhar desaprovador.
-Devíamos matá-lo.
-É devíamos.
Continuamos bebendo o Brandy até esvaziar a garrafa. Charles debruça sobre o papel para escrever sobre sua ruiva.
E eu para escrever sobre aquele que levou meu coração.

Plágio












Cabelos presos,
Laços e fitas,
Garota bonita
Sorridente
Entre as gentes
Se destacava.
Ela parecia não ter o mal
E ser bem real,
E sorrir de verdade
Essas moças da cidade,
São pura emoção
São puros saltos altos
E etiquetas
São quase perfeitas
Em seus amplos modismos.
Essas moças da cidade
São as moças de Rembrandt
São as que lerão poesias,
E serão conquistadas por elas.
Todos gostam das moças que leem poesias.
Essas moças da cidade
Cabelos presos
Laços e fitas.
Elas passarão.
Falando com toda a imensidão
Eu ficarei plagiando Quintana
E conversando com os passarinhos
Sobre a minha inveja das moças bonitas.

Meu caso com Charles...




-Isto não é pra você baby.
Ele me limpou dos lábios o batom vermelho com um lenço branquíssimo que tirou do bolso, e me cobriu com o seu casaco, puxando para baixo o meu vestido curto, como se pudesse resgatar algum resquício de dignidade, prendeu meus cabelos em um coque perfeito que nem eu mesma teria feito melhor. Olhou para os lados.
-Há quanto tempo está aqui, baby?
-Duas horas.
Ele pegou meus papéis sobre a mesa, e tirou meus saltos vermelhos.
-Isto não é para você baby. Isto não combina com você.
A lágrima desceu pelo meu olhar.
-Charlie. Nada é para mim.  Nada combina comigo, é por isso que estou aqui.
Servi mais um pouco de vinho, e bebi.
Não era assim tão vulgar, eu estava num lugar reservado, bebendo meu vinho, escrevendo  algumas tolices, talvez alguém aparecesse para me fazer companhia por uma noite. Mas lá veio o Charles.
-Vem, vamos. Não gosto quando você se torna essa outra, tão igual a tantas outras. Você não é assim.
-Para o inferno cara. Tu tem as tuas mulheres. Me deixa sozinha. Vai ficar com alguma delas...
-Para o inferno você. Está em condições de fazer alguma coisa?
-Sim, beber! E é o que estou fazendo.
Deslizou os dedos pelo meu rosto. Eu odeio quando faz. Ele que não é humano. Quer me converter em humana. Como se pudesse me salvar de alguma coisa.
-Levanta-te... Você me lembra Betty. Betty morreu assim.
-Não sou Betty. Não sou ninguém.
-É dramática demais. Pelo amor de Deus vista o casaco. Baby, baby. Venha comigo.
-Eu não vou Charles. Não vou para o teu abraço amigo. E não quero ninguém na minha dor.
-Basta. –Elevou um pouco o tom de voz. Sentou-se e bebeu todo o meu vinho, quase como de um gole.
Sorrio, não consigo distingui-lo de uma sombra e outra. Mas me sinto chorar.
-Eu te amo Charles. E isso vai me matar.

(...) Continua ou não.