Holanda era uma mulher de 35 anos. Às voltas com cigarro
e um livro. Dois vícios que a solidão lhe trouxera, sempre com uma história não
vivida no olhar, sempre com um sonho perdido no espaço, roubado pelas estrelas.
Diante do rio Holanda onde estava, lembrava a última vez que o vira tão cheio,
tinha 14 anos e um destino incerto, com a morte da mãe um ano atrás e com o casamento recente do pai
sobra-lhe a solidão que mais tarde se tornaria uma inseparável companheira, mas
que lhe traria uma sanguessuga chamada tristeza. O pai lhe propusera a morar com os tios que não tinham filhos, ou
morar sozinha, numa casa que ele custearia, por algum tempo. A esposa nova
detestava a garota e sua tristeza por ter perdido a mãe. Holanda optou por
morar sozinha, de início a solidão era dolorosa, como que a abrir-lhe um buraco
no peito, a abrir-lhe uma cratera na alma. Holanda só tinha um questionamento.
O que estava fazendo no mundo?
E foi ali que começou a perder seus dias.
Perder seus dias pensando, lastimando, se dissolvendo.
Queria partir. Holanda só queria partir.
Apaixonou-se uma vez. Para seu maior erro. Holanda sempre
considerara o amor falso, fingido, unilateral, sempre havia um que amava mais que
o outro. E quando olhava seu pai, que partia para o terceiro casamento, sem
nunca mais ter-lhe dirigido a palavra, doía-lhe.
Ao apaixonar-se compreendeu a unilateralidade do amor, a
não correspondência simultânea era dolorosa, Holanda terminou sozinha. Sem nada
querer mais da vida.
Todos partiam, todos indefinidamente deixavam-na sozinha,
com os restos do coração na mão, tendo de curar-se sozinha.
Nestes momentos Holanda sentia a tristeza sugar-lhe a
alma, e mantinha a calma, o não sentir nada era mais fácil. Os caminhos de
Holanda eram tão sem vida, o mundo transformara-se numa pocilga, e ela começou
a odiar as pessoas a sua volta, o seu trabalho, o seus amigos, salvando-se
apenas os animais.
Holanda não queria mais viver, mas ainda assim seguia em
frente. Que droga de mundo injusto era esse? Que Deus existia nesse universo
que fosse capaz de permitir alguém vir
ao mundo apenas para fazer volume, ser a estatística triste de algum jornal, o
empecilho na estrada da evolução...
Holanda murmurava tristemente, estava tão cansada da
mesquinhez da vida, das pessoas, do governo.
Naquele dia quando saíra de casa, ouvia Cartola, passou
na lanchonete e comprou dois cafés. Um dos cafés entregou a um desses mal aventurados que
ficavam pelos cantos da vida, assim como ela apenas para fazer volume, ser
estatística de uma triste vida.
E agora estava ali, sentada observando as águas do rio
que a conhecera ao longo da sua mal vivida vida.
As águas amareladas, barrentas de um rio que
provavelmente tinha muita coisa para contar.
Holanda suspirou... seria assim sua vida tão sem
propósito? Alguns religiosos diziam que Deus tem um propósito na vida das
pessoas, e que algum dia teríamos nossa missão cumprida.
Mas Holanda duvidava muito que sua vida tivesse alguma
finalidade, vivia uma vida perdida que não tinha sentido.
Um grito tirou-a de seus pensamentos, e uma menina se
aproximou desesperada da beira do rio onde ela estava, gritava como que em
completo desalento.
-Meu cachorro caiu no rio.
A correnteza do rio cheio era intensa, forte, carregava
tudo, galhos de árvores e o pobre cachorro da menina.
Holanda levantou-se e aproximou-se da margem. Pulou.
Holanda não sabia nadar. Mas naquele momento aquele
detalhe não lhe era de muita importância, a correnteza tratou de levá-la para
bem perto do animalzinho que se debatia tenazmente. Ela o agarrou com certa
dificuldade, com rapidez o atirou para a margem. Naquele momento, já muitas pessoas
se aproximavam curiosas da beira do rio. Num esforço para voltar, Holanda
sentiu que algo prendia seu pé. Um frio trespassou sua espinha, sentiu suas
mãos suarem, mesmo dentro da água. Holanda se debateu, e foi ficando nervosa,
aquilo que grudara em seu pé a arrastava para cada vez mais longe da margem, de
superfície dura. Holanda imaginou algum animal, mas notou que seu pé havia
prendido num galho de árvore. Chorou um pouco. Alguns homens se aproximaram,
pularam no rio. Mas já era tarde demais.
Submergiu mais uma vez e nessa última vez Holanda viu seu pai. Ele
também vinha em seu socorro, em seu socorro. Tarde demais.
Mas Holanda sentiu ser arrastada para baixo da água
mais vez uma vez. Viveu toda a sua vida para aquilo, para salvar um animal, e
assim fazer a diferença, naquele segundo, para fazer uma garotinha sorrir.
Então, dos dias perdidos que Holanda vivera, apenas um
realmente valeu apena.
E ela havia cumprido a sua missão.
Em resposta da ação de sermos... somos um colecionar de reações... até que o reagir seja o deixar de existir!
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