quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O Kit

Dentro do ônibus uma voz se sobressai.
“Boa noite.
Um minuto da atenção de vocês pessoal.
Meu nome é Jorge, e eu sou da Organização X.
Gostaria de falar um pouco a respeito”.

Cansada, movo a cabeça em direção ao falante.
Ah sim, são eles... Os caras da Organização X.
Eu devia dizer: Já sei seu texto, já decorei.
Mas um certo Affonso Romano me roubou a atenção.
Volto os olhos para o livro.

Mas eles roubam os meus ouvidos.

A organização X está há tantos anos fazendo esse trabalho.
De recuperar dependentes químicos.
Mas para isso precisamos da sua ajuda.
Infelizmente a Organização X é independente
e sem fins lucrativos.
Sobrevivemos do apoio da sociedade.
Por isso trazemos este.
Este maravilhoso “Kit”.
Com uma linda caneta e uma lanterninha de morango.
Que custam apenas dois reais.

Desvencilhei-me da leitura.
Isso me leva a pensar que de dois em dois reais,
juntam-se milhões e nas linhas de ônibus todos os
representantes da Organização X estão.
Não há como escapar deles.
A coisa ficou tão repetitiva
e o texto de abordagem tão batido que...
pra mim, perdeu a credibilidade.

Eu cansada, o dia inteiro no trabalho.
Encarei-o. Ele me entregou o tal Kit, e eu recusei.
A cabeça fervendo de tanta poesia morta,
que eu não podia escrever.
A mente repleta de Affonso...
E ele vem me falar de Kit.


O kit custa apenas dois reais- repetiu.
E ajudará nossa organização a continuar ajudando os
dependentes químicos que não tem condições
porque também leva a palavra de Jesus.

Claro, claro. Não podiam deixar de usar Jesus para arrecadar.
Reparo na maioria das pessoas.
E elas não param mais para ver o que estão comprando.
Aquele “Kit”.

Aquilo oferece apenas uma reflexão:
Se você não possuí solidariedade.
Servem dois reais.

Aqui não moço, eu não tenho dois reais.

Affonso me chama. Guardo-o na bolsa.

É hora de descer.

Um comentário:

  1. Essa tal filantropia nunca me enganou...
    Pura demagogia e oportunismo... não "colaboro" com nada disso... nunca...

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