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-Como podemos viver de poemas, querida?
-Eu não vivo de poemas Charles. Talvez eles vivam de mim.
Eles são meus inquilinos.
-Seu coração depende de palavras.
-A sua existência também.
-Impossível ganhar de você.
Pensávamos. Pensamos que era impossível. Mas vencer é
necessário. Alguém vence. Sempre vence, e eu fui vencida, sim. Pelo ciúme. Pela
nostalgia. Pela recusa e não aceitação. Eu sabia que aquele sentir não
correspondido não me faria tão bem assim... Os versos de amor não correspondido
são bonitos... Mas com o tempo se convertem em sangue, em dor, em dias nublados
e por último numa tristeza e solidão profunda, que nem mesmo pode ser
clinicada. Desta vez sem paracetamol.
Mas ao fim a gente compreende. Pessoas como eu por ai há
milhares, porém que não se admitem, morreram dentro das próprias roupas e
continuam sorrindo como se nada houvesse acontecido. Eu havia admitido.
-Você me surpreende pela incoerência. Soprando a própria
vela da vida, quando podia muito bem acendê-la.
Deitei-me. – a voz
e o choro de minha mãe atormentava-me a mente havia dias. Eu olhava para todos
os lados e ela não estava lá.
“Pobrezinha”. –Eu ouvia. Vozes carregadas de
arrependimento dentro da minha mente.
-Charles. Todos nós seremos substituídos?! Então pense
que somos peças de um tabuleiro qualquer. Dama, Xadrez. Peças de um jogo que o
jogador sempre repõe quando estão quebradas. Há algo que nos diferencia de outras
peças?! Somos só isso. Peças.
-Não, não somos, se não todos serviríamos para a mesma
coisa. E isso não é possível. Porque às vezes amamos alguém e odiamos outros.
-Ou amamos e odiamos a mesma pessoa. Sim são só peças.
Substituíveis.
-Nada há que possa substituí-la. Tem essa particularidade
ácida que é só sua.
-E tu tens um amor que é só meu. Eu te amo Charles. E
tenho certeza que isso ainda vai me matar.
As dores no meu peito e as vozes no meu cérebro se
tornaram mais perspicazes. Eu não podia imaginar o que era, nem podia
entender claramente o que diziam. E eu via Charles cada vez menos. Ou porque
ele estava com ela, ou porque estava escrevendo alguma coisa para ela.
As coisas estavam ficando tão quietas, como um dia depois
de uma queimada, cinzas voando, e aquela sensação de que não acabou pairando no
ar, aquele arrepio na espinha de almas se desgrudando de seus corpos, flutuando
por ai, por ali, aqui, ao nosso redor.
-Charles. – Murmurava quieta, calada, segurando nas mãos
um papel sujo de batom. O dela. e o poema. O dele.
Não é minha morte o
que
me preocupa, é minha mulher
abandonada com este
monte de
nada.
quero
no entanto
que ela saiba
que todas as noites
dormindo
ao seu lado
que mesmo as discussões
inúteis
sempre foram
esplêndidas
e que as palavras
difíceis
que sempre temi
dizer
podem agora ser
ditas:
Eu te
amo.
me preocupa, é minha mulher
abandonada com este
monte de
nada.
quero
no entanto
que ela saiba
que todas as noites
dormindo
ao seu lado
que mesmo as discussões
inúteis
sempre foram
esplêndidas
e que as palavras
difíceis
que sempre temi
dizer
podem agora ser
ditas:
Eu te
amo.
Ter deixado aquilo sobre a minha escrivaninha, pendendo
da máquina de escrever que eu havia resgatado para ele, foi cruel. Senti raiva. Senti vontade de rasgar o maldito
papel, mas eu? Quem era eu? Só uma peça substituível do tabuleiro. Assim que eu
me fosse para baixo da terra e levasse comigo os versos tristes e amargurados
de uma vida toda, não haveria mais lembranças... Nem confissões. Talvez uma:
“Eu te amo Charles.
Eu te amo mesmo que
o mundo o chame de Hank.
Henry. Diabo a
quatro.
Eu te amo e esse
meu amor é desprezível.
Exagerado e
complexo.
eu te amo e usaria
letras maiúsculas,
Se essa minha
confissão não fosse feita,
Entre sussurros
inaudíveis”.
Charles eu te amo. E esse amor ainda vai me matar.
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